sábado, 7 de abril de 2012

Casablanca: Política, História e Semiótica no Cinema

 

Casablanca: Política, História e Semiótica no Cinema

Sinopse: O filme Casablanca ganhou três Oscars: melhor filme, melhor diretor e melhor roteiro adaptado. O contexto político-histórico da Segunda Guerra Mundial é resgatado neste livro, assim como a origem da peça de teatro Everybody Comes to Rick’s que serviu de base para o roteiro do filme. As diversas e originais interpretações do autor sobre este clássico da história do cinema juntam-se à famosa análise semiótica de Umberto Eco para mostrar a complexidade desta obra-prima que se tornou um Cult Movie. A importância do filme ultrapassa o campo do cinema para a política, a história e a semiótica. Vários significados são revelados por um olhar interpretativo que busca compreender a alma do filme e os motivos de sua permanência na memória das pessoas.

Autor: Luiz Roberto da Costa Júnior

Sumário

Parte I: Cult Movie
A estreia de Casablanca e os 3 Oscars
A adaptação da peça de teatro Everybody Comes to Rick’s
As Time Goes By música e letra de Herman Hupfeld
As Time Goes By no filme Casablanca
Com O Passar Do Tempo
A produção do filme
O elenco estelar
Curiosidade: as incorreções do filme
10 Frases Eternas em Casablanca

Parte II: As diversas interpretações sobre o filme
Umberto Eco e a Semiótica em Casablanca
A Propaganda Anti-Nazista
A Defesa Francesa no tabuleiro de xadrez
Façam suas apostas: ... Preto 22
Amor, Rejeição, Paixão e Sacrifício em Casablanca

Parte III:  Muito Além de Casablanca
O Acaso e a Obra-Prima
As diversas adaptações de Casablanca
Conclusão

Bibliografia
Índice Remissivo


Twitter do livro Casablanca: Política, História e Semiótica no Cinema 
http://twitter.com/lrcostajr


Vídeo da noite de autógrafo do livro sobre o filme CASABLANCA
 


Casablanca - Cult Movie
 http://lrcostajr.blog.uol.com.br/


A estréia de Casablanca e os 3 Oscars

Na noite de quinta-feira 2 de março de 1944, a entrega da 16ª Premiação da Academia realizou-se no Teatro Chinês (Grauman’s Chinese Theater), no Hollywood Boulevard, perto da Calçada da Fama. Pela primeira vez, o evento deixava de ser fechado e restrito e, assim, a cerimônia do Oscar passava a ser feita num local para um público mais amplo. Naquela época, ainda não havia a transmissão pelo rádio que começou no ano seguinte em 15 de março de 1945, mas o formato mais teatral serviu de base para as contemporâneas transmissões televisionadas que começaram em 19 de março de 1953.

Para chamar a atenção para o evento, foram dados passes livres para todos os homens e mulheres que estivessem usando uniforme, pois nesta época vivia-se um clima de expectativa pouco mais de três meses antes do Dia D (Desembarque na Normandia).

O Oscar (referente aos filmes de 1943) trouxe novidades, pois pela primeira vez a premiação para ator coadjuvante e atriz coadjuvante foram feitas com as estatuetas do Oscar e não mais com pequenas placas indicando o prêmio. Naquela noite, o filme franco favorito com 12 indicações perdeu o Oscar de Melhor Filme  para um melodrama ambientado num lugar distante e exótico chamado Casablanca, que também ganhou o Oscar de Melhor Diretor e o Oscar de Melhor Roteiro Adaptado.

O filme Casablanca havia sido apresentado em avant-première, em 26 de novembro de 1942, no Teatro Hollywood, em Nova York, aproveitando-se assim a situação de que no início daquele mesmo mês havia ocorrido a libertação do Norte da África, o que incluía Casablanca, pelos Aliados. O filme entrara em cartaz em Los Angeles em 23 de janeiro de 1943 (motivo pelo qual concorreu ao Oscar com os filmes de 1943). A data da estreia foi muito oportuna para coincidir a Conferência de Casablanca – ocorrida entre os dias 14 e 24 de janeiro de 1943, com a presença do primeiro ministro britânico Winston Churchill e do presidente dos Estados Unidos Franklin Roosevelt – e que definiu os planos dos Aliados para terminar a Segunda Guerra Mundial (1939-1945).

O tempo mostrou a perenidade de Casablanca e a importância do filme para sua legião de fãs, mesmo sete décadas depois de sua produção, e assim tanto as suas diversas interpretações como o que significa o filme na história do cinema serão aqui discutidos.

A adaptação da peça de teatro Everybody Comes to Rick’s

A peça de teatro Everybody Comes to Rick’s foi escrita por Murray Burnett (1910-1997) e Joan Alison (1902-1992). Murray Burnett era professor de inglês numa escola vocacional em Nova York e posteriormente tornou-se escritor de peças de teatro: uma delas sobre suas experiências como professor e várias outras adaptadas para o rádio.

Durante o verão europeu, em 1938, ele estava de férias com sua esposa Frances. O casal foi a Viena, após a anexação da Áustria pela Alemanha, para ajudar parentes judeus e eles começaram a ter contato com o drama dos refugiados. Na França, o casal esteve num nightclub chamado Café Américain, onde tocava e cantava um pianista negro, numa pequena cidade chamada Cap Ferrat, à beira do Mar Mediterrâneo, na Riviera Francesa. A partir de suas experiências, Murrey Burnett começou a escrever uma peça de teatro, nos Estados Unidos, durante o verão de 1940.

Murray Burnett terminou a peça de teatro sendo ajudado por Joan Alison (ela que colocou as cartas de trânsito no enredo). Ambos, então, procuraram vários produtores na Broadway para encenar a peça, mas não obtiveram sucesso. Entretanto, a leitora de roteiros da Warner Brothers, Irene Diamond (1910–2003), teve acesso aos originais e sugeriu a adaptação para o cinema. O produtor Hal B. Wallis (1899-1986) interessou-se em negociar os direitos autorais. Em dezembro de 1941, após o Ataque a Pearl Harbour, o clima político havia mudado nos Estados Unidos. O tema da peça de teatro tendo um americano chamado Rick, como dono de um bar, ajudando um membro da resistência checa contra os nazistas num lugar exótico chamado Casablanca, no Marrocos (na época Protetorado Francês), pareceu muito apropriado para uma adaptação para o cinema.

Os roteiristas Howard Koch (1901-1995), Julius Epstein (1909-2000) e Philip Epstein (1909-1952) trabalharam na adaptação da peça de teatro para o roteiro do filme e contaram com a colaboração não creditada de Casey Robinson (1909-1979). O título do filme ficou definido com apenas uma palavra: Casablanca, porque alguns anos antes um outro filme ambientado em lugar exótico fizera sucesso com o título Argélia, em 1938.

A música As Time Goes By foi escrita, em 1931, por Herman Hupfeld (1894-1951) para o musical Everybody's Welcome que ficou quatro meses em cartaz, com 139 apresentações, no Teatro Shubert na Broadway. Murray Burnett colocou a música por lembrar desta peça e definiu também o título de sua peça que inclusive é uma fala do Capitão Renault: Everybody Comes to Rick’s.

A produção do filme

A cópia da peça de  teatro Everybody Comes to Rick’s chegou aos estúdios da Warner Brothers em 8 de dezembro de 1941 (um dia após o Ataque a Pearl Harbour) e o produtor Hal B. Wallis, já no dia 31 do mesmo mês, mudou oficialmente o título para Casablanca (para a adaptação para o cinema).  Em 12 de janeiro de 1942, os autores Murray Burnett e Joan Alison assinaram o contrato com a Warner Brothers cedendo os direitos autorais da peça de teatro por U$ 20.000,00 (em valores daquela época, atualizando-se seria algo em torno de dez vezes este valor em termos de dinheiro de hoje).

Para conseguir a reunião dos três grandes astros que compõem o triângulo amoroso da trama, a Warner Brothers fez um acordo com a MGM (detentora do contrato de Ingrid Bergman) e conseguiu que ela fosse cedida para o filme da Warner Brothers em troca da atriz Olivia de Havilland para a MGM. Para a Warner Brothers convencer Paul Henreid a fechar o contrato foi feito um acordo de que o nome dele apareceria nos créditos no início do filme junto com Humphrey Bogart e Ingrid Bergman, assim como em destaque nos cartazes promocionais do filme.  As gravações do filme ocorreram entre os dias 25 de maio e 3 de agosto. 

O filme foi rodado nos estúdios da Warner Brothers com exceção da cena inicial do aeroporto que foi rodada no Aeroporto Van Nuys, em Los Angeles, e do clip montado com cenas reais de Paris que aparecem na cena do flashback. O diretor escolhido foi Michael Curtiz (1886-1962) que havia dirigido o grande sucesso Anjos de Cara Suja (1938). Praticamente todos os filmes da Warner Brothers fugiam da teoria de que o diretor é o autor do filme (tese do cinema de autor). Michael Curtiz pode ser visto fundamentalmente como um diretor de estúdio nos moldes do sistema de estúdio da época de ouro do cinema (1930-1950). As grandes produções dos estúdios seguiam determinadas linhas bem claras e distintas: a MGM buscava a vida idealizada (de fuga da realidade), como em A Dama das Camélias (1936), com Greta Garbo (1905-1990); a Fox buscava a consciência social, como em Vinhas da Ira (1940), com Henry Fonda (1905-1982); enquanto a Warner Brothers buscava o realismo em suas produções, como em Casablanca.

A cena do duelo dos hinos provocou uma catarse no elenco porque uma grande parte era de refugiados e estes se deram conta desta realidade durante a gravação da cena . Embora no início do filme apareça uma réplica do minarete da Mesquita de Hassan II e em várias cenas haja homens usando o típico tarboosh de cor vermelha (apesar de o filme ser em preto&branco) ou então o keffiyeh de cor branca enrolado na cabeça, não há marroquinos no filme e nem mulheres de véu cobrindo o rosto, pois o filme tem um olhar ocidental sobre a situação mundial em meio à Segunda Guerra Mundial e, para isso, nos leva a um lugar remoto e distante chamado Casablanca.